Se os tubarões fossem homens, perguntou ao senhor K. a filha de sua senhoria, eles seriam mais amáveis com os peixinhos? Certamente, disse ele. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias.
Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, lhe fariam imediatamente um curativo, para que não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres tem melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um deles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de argaço e receberia um título de herói. Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardim que se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que seus acordes todos os peixinhos, como orquestra na frente, sonhando, embalados, nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões. Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso, se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens."
terça-feira, 7 de setembro de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Características da Consciência Ingênua x Consciência Crítica
Fonte: FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. RJ: Paz e Terra, 1979.
** Características da Consciência Ingênua **
1) Revela uma certa simplicidade, tendente a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na causalidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais.
2) Há também uma tendência em considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens.
3) Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática.
4) Subestima o homem simples.
5) É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações são mágicas.
6) É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmica, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-las e procurar meios históricos para convencer com suas idéias. Curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata de brigar mais, para ganhar mais.
7) Tem forte conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo.
8) Apresenta fortes compreensões mágicas.
9) Diz que a realidade é estática e não mutável.
** Características da Consciência Crítica **
1) Anseio de profundidade na análise dos problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para análise de problemas.
2) Reconhece que a realidade é mutável.
3) Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade.
4) Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta à revisões.
5) Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.
6) Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude, e vice-versa. Sabe que é na medida que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.
7) Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.
8) É indagadora, investiga, força, choca.
9) Ama o diálogo, nutre-se dele.
10) Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.
** Características da Consciência Ingênua **
1) Revela uma certa simplicidade, tendente a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na causalidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais.
2) Há também uma tendência em considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens.
3) Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática.
4) Subestima o homem simples.
5) É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações são mágicas.
6) É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmica, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-las e procurar meios históricos para convencer com suas idéias. Curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata de brigar mais, para ganhar mais.
7) Tem forte conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo.
8) Apresenta fortes compreensões mágicas.
9) Diz que a realidade é estática e não mutável.
** Características da Consciência Crítica **
1) Anseio de profundidade na análise dos problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para análise de problemas.
2) Reconhece que a realidade é mutável.
3) Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade.
4) Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta à revisões.
5) Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.
6) Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude, e vice-versa. Sabe que é na medida que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.
7) Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.
8) É indagadora, investiga, força, choca.
9) Ama o diálogo, nutre-se dele.
10) Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.
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domingo, 6 de junho de 2010
Movimentos Sociais - Texto didático de apoio
Fonte:
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Os Movimentos Sociais. In: Sociologia para jovens do século XXI. OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; COSTA, Ricardo Cesar Rocha da (org.). RJ: Imperial Novo Milênio, 2007. (p. 103-106)
Os Movimentos Sociais
Num recente artigo, o professor Solon Annes Viola (2003), da UNISINOS, descreve que:
Segundo Kissinger, "a globalização é tão natural como a chuva". Por certo Kissinger não conhece as múltiplas regiões do Brasil. No Nordeste brasileiro chove pouco; no Sul, ao longo do inverno, as chuvas são abundantes e ocorrem, no mínimo, duas enchentes por ano. E logo em seguida faz as seguintes perguntas: Seria o Sul mais globalizado que o Nordeste? O ciclo das chuvas regulado por grandes empresas, pelos organismos financeiros internacionais como o G7, a OMC e o Banco Mundial? O fato de que a quinta parte da gente mais rica do mundo consumir 85% de todos os produtos e serviços, enquanto que a quinta parte mais pobre consome somente 1/3% seria tão natural, quanto a chuva? Seria tão natural que 4 bilhões e 400 milhões de habitantes dos países mais pobres, aproximadamente três quintas partes da população mundial não possuam acesso à água potável, uma quarta parte não possua moradia, e uma quinta parte não tenha acesso a nenhum tipo de assistência médica? Seria tão natural, como a chuva que 20% da população mundial consumam 86,5% das energias fósseis e hidráulicas do planeta? Seria possível que o mesmo nível de consumo fosse colocado à disposição de todos sem que houvesse um gigantesco desastre ambiental, tão terrível quanto a prolongada seca, ou tão arrasador quanto as enxurradas das enchentes? Seria tão natural quanto a chuva que americanos e europeus gastem 17 milhões de dólares em alimentos para animais por ano, 4 milhões de dólares a mais do que se necessita para promover a alimentação e saúde básica para os que não possuem? Seria tão natural como o sol que 300 milhões de crianças ocupem postos de trabalhos forçados e outras 37.000 morram diariamente de pobreza relacionada à subnutrição e à ingestão de águas contaminadas e resíduos tóxicos?
Depois de perguntas tão chocantes podemos também perguntar: será que não existe ninguém que esteja fazendo algo contra estas barbaridades existentes no mundo? Sim, existe, mas nem sempre essas pessoas que lutam contra este estado de coisas são vistas com bons olhos.
Nos dias de hoje, ouve-se muito a respeito dos movimentos sociais. A mídia está sempre noticiando a respeito deles, seja, Sem-Terra, Greepeace ou as ONGs "Anti-globalização". Mas o que são movimentos sociais? O que pretendem? Por que surgem em diversos momentos históricos? Como são constituídos?
Os movimentos sociais estiveram e estão presentes em toda a história de todas as sociedades. Temos que compreendê-los como um fenômeno essencial, porque são resultados de um "conflito" que gera, consequentemente, mudanças sociais. Ao mesmo tempo, tais movimentos geram transformações porque sujeitos ou grupos que não concordam com determinada situação procuram maneiras de modificá-la.
Nesse sentido, o conflito é o elemento gerador dos movimentos sociais. E por que se chega a estes conflitos? Simplesmesnte porque, [...], as sociedades não são homogêneas e se dividem a partir de certos interesses de classe, gênero, etnia, raça ou, até mesmo, de orientação sexual e de geração. Há sempre grupos de opressores e oprimidos, gerando uma carência de bens materiais e culturais a determinados grupos.
A partir disto, certos grupos sociais, que se sintam prejudicados, ou oprimidos de alguma forma, vão se unir a fim de eliminar ou, ao menos, amenizar a opressão. A essa união chamamos de ações coletivas.
É necessário saber que os movimentos sociais possuem uma relação de conflito com o Estado, pois, como vimos, nem sempre este satisfaz a vontade coletiva, se restringindo à vontade daqueles que dominam os recursos materiais da sociedade e aos seus interesses.
Enquanto os movimentos sociais desejam modificações, mudanças, o Estado, na maioria das vezes, deseja manter a ordem das coisas ou, como dizem os especialistas, o status quo.
Um movimento social só tem força quando possui uma proposta, ou seja, os fins que almeja alcançar. Por isso, há a necessidade de um projeto. A ideologia também é um fator importante, já que reflete a visão de mundo dos indivíduos que fazem este movimento, suas perspectivas, as mudanças que ambicionam, o mundo que esperam.
Por fim, a organização é muito importante, poque ela é a base do movimento, essencial para o seu sucesso político. Afinal, sem instrumentos eficazes de comunicação e sem recursos financeiros mínimos, os movimentos sociais acabariam apresentando resultados mais limitados na sua ação política.
A cada dia sempre surgem e surgirão mais movimentos sociais, pois, numa sociedade com muitas desigualdades e com o Estado mostrando-se incapaz de satisfazer as necessidades dos diferentes grupos sociais, podemos afirmar que esses movimentos são quase que naturais "como a chuva". É uma infinidade de grupos que lutam contra o preconceito, o racismo, o desemprego, a falta de moradia, os salários rebaixados, o autoritarismo, contra o descaso com o meio ambiente, com a criança, com o idoso, com a educação, com a saúde, etc.
As necessidades são infinitas e é por isso que existem os sem-terra, o movimento negro, o movimento de mulheres, os movimentos contra a discriminação de gays e lésbicas, os sindicatos, os grêmios estudantis, o movimento ecológico, o movimento pelos direitos humanos, os partidos de esquerda e algumas ONGs.
Precisamos ter clareza, tomar consciência de nossos direitos, identificar onde estão os males sociais, para não utilizarmos nossa indignação contra aqueles que, talvez, sejam tão vítimas quanto nós.
Por outro aldo, devemos ver com os olhos críticos por que se fala tão mal de certos movimentos sociais. Aqui, nosso olhar sociológico deve mais do que nunca funcionar, pois devemos saber quem faz a crítica e que interesses tem ao fazê-lo. Por exemplo: quando se faz uma crítica ao MST por "invadir" terras, quem está fazendo esta crítica? Os empresários, os donos de terras ou o trabalhador comum das cidades? Por fim, num mundo neoliberal, qual seria a importância dos movimentos sociais e dos partidos políticos?
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Os Movimentos Sociais. In: Sociologia para jovens do século XXI. OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; COSTA, Ricardo Cesar Rocha da (org.). RJ: Imperial Novo Milênio, 2007. (p. 103-106)
Os Movimentos Sociais
Num recente artigo, o professor Solon Annes Viola (2003), da UNISINOS, descreve que:
Segundo Kissinger, "a globalização é tão natural como a chuva". Por certo Kissinger não conhece as múltiplas regiões do Brasil. No Nordeste brasileiro chove pouco; no Sul, ao longo do inverno, as chuvas são abundantes e ocorrem, no mínimo, duas enchentes por ano. E logo em seguida faz as seguintes perguntas: Seria o Sul mais globalizado que o Nordeste? O ciclo das chuvas regulado por grandes empresas, pelos organismos financeiros internacionais como o G7, a OMC e o Banco Mundial? O fato de que a quinta parte da gente mais rica do mundo consumir 85% de todos os produtos e serviços, enquanto que a quinta parte mais pobre consome somente 1/3% seria tão natural, quanto a chuva? Seria tão natural que 4 bilhões e 400 milhões de habitantes dos países mais pobres, aproximadamente três quintas partes da população mundial não possuam acesso à água potável, uma quarta parte não possua moradia, e uma quinta parte não tenha acesso a nenhum tipo de assistência médica? Seria tão natural, como a chuva que 20% da população mundial consumam 86,5% das energias fósseis e hidráulicas do planeta? Seria possível que o mesmo nível de consumo fosse colocado à disposição de todos sem que houvesse um gigantesco desastre ambiental, tão terrível quanto a prolongada seca, ou tão arrasador quanto as enxurradas das enchentes? Seria tão natural quanto a chuva que americanos e europeus gastem 17 milhões de dólares em alimentos para animais por ano, 4 milhões de dólares a mais do que se necessita para promover a alimentação e saúde básica para os que não possuem? Seria tão natural como o sol que 300 milhões de crianças ocupem postos de trabalhos forçados e outras 37.000 morram diariamente de pobreza relacionada à subnutrição e à ingestão de águas contaminadas e resíduos tóxicos?
Depois de perguntas tão chocantes podemos também perguntar: será que não existe ninguém que esteja fazendo algo contra estas barbaridades existentes no mundo? Sim, existe, mas nem sempre essas pessoas que lutam contra este estado de coisas são vistas com bons olhos.
Nos dias de hoje, ouve-se muito a respeito dos movimentos sociais. A mídia está sempre noticiando a respeito deles, seja, Sem-Terra, Greepeace ou as ONGs "Anti-globalização". Mas o que são movimentos sociais? O que pretendem? Por que surgem em diversos momentos históricos? Como são constituídos?
Os movimentos sociais estiveram e estão presentes em toda a história de todas as sociedades. Temos que compreendê-los como um fenômeno essencial, porque são resultados de um "conflito" que gera, consequentemente, mudanças sociais. Ao mesmo tempo, tais movimentos geram transformações porque sujeitos ou grupos que não concordam com determinada situação procuram maneiras de modificá-la.
Nesse sentido, o conflito é o elemento gerador dos movimentos sociais. E por que se chega a estes conflitos? Simplesmesnte porque, [...], as sociedades não são homogêneas e se dividem a partir de certos interesses de classe, gênero, etnia, raça ou, até mesmo, de orientação sexual e de geração. Há sempre grupos de opressores e oprimidos, gerando uma carência de bens materiais e culturais a determinados grupos.
A partir disto, certos grupos sociais, que se sintam prejudicados, ou oprimidos de alguma forma, vão se unir a fim de eliminar ou, ao menos, amenizar a opressão. A essa união chamamos de ações coletivas.
É necessário saber que os movimentos sociais possuem uma relação de conflito com o Estado, pois, como vimos, nem sempre este satisfaz a vontade coletiva, se restringindo à vontade daqueles que dominam os recursos materiais da sociedade e aos seus interesses.
Enquanto os movimentos sociais desejam modificações, mudanças, o Estado, na maioria das vezes, deseja manter a ordem das coisas ou, como dizem os especialistas, o status quo.
Um movimento social só tem força quando possui uma proposta, ou seja, os fins que almeja alcançar. Por isso, há a necessidade de um projeto. A ideologia também é um fator importante, já que reflete a visão de mundo dos indivíduos que fazem este movimento, suas perspectivas, as mudanças que ambicionam, o mundo que esperam.
Por fim, a organização é muito importante, poque ela é a base do movimento, essencial para o seu sucesso político. Afinal, sem instrumentos eficazes de comunicação e sem recursos financeiros mínimos, os movimentos sociais acabariam apresentando resultados mais limitados na sua ação política.
A cada dia sempre surgem e surgirão mais movimentos sociais, pois, numa sociedade com muitas desigualdades e com o Estado mostrando-se incapaz de satisfazer as necessidades dos diferentes grupos sociais, podemos afirmar que esses movimentos são quase que naturais "como a chuva". É uma infinidade de grupos que lutam contra o preconceito, o racismo, o desemprego, a falta de moradia, os salários rebaixados, o autoritarismo, contra o descaso com o meio ambiente, com a criança, com o idoso, com a educação, com a saúde, etc.
As necessidades são infinitas e é por isso que existem os sem-terra, o movimento negro, o movimento de mulheres, os movimentos contra a discriminação de gays e lésbicas, os sindicatos, os grêmios estudantis, o movimento ecológico, o movimento pelos direitos humanos, os partidos de esquerda e algumas ONGs.
Precisamos ter clareza, tomar consciência de nossos direitos, identificar onde estão os males sociais, para não utilizarmos nossa indignação contra aqueles que, talvez, sejam tão vítimas quanto nós.
Por outro aldo, devemos ver com os olhos críticos por que se fala tão mal de certos movimentos sociais. Aqui, nosso olhar sociológico deve mais do que nunca funcionar, pois devemos saber quem faz a crítica e que interesses tem ao fazê-lo. Por exemplo: quando se faz uma crítica ao MST por "invadir" terras, quem está fazendo esta crítica? Os empresários, os donos de terras ou o trabalhador comum das cidades? Por fim, num mundo neoliberal, qual seria a importância dos movimentos sociais e dos partidos políticos?
quarta-feira, 2 de junho de 2010
O Homem: Animal Político
Fonte:
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. 5ª ed. SP: Abril Cultural - Brasiliense, 1984. (p.12-15)
O homem é um animal que não vive sozinho, pois todo ser humano, desde que nasce até o momento em que morre, precisa da companhia de outros seres humanos. Foi observando isso que o filósofo grego Aristóteles escreveu que o homem é um animal político, pois é a própria natureza humana que exige a vida em sociedade.
É importante lembrar que não é só para atender as suas necessidades materiais que o ser humano precisa da companhia de seus semelhantes. Na realidade, o homem é o único animal que durante vários anos depois do nascimento não consegue obter sozinho seus alimentos. E no mundo moderno isso está cada vez mais difícil, mesmo para os adultos, uma vez que a sociedade humana se organizou de tal modo que a grande maioria passa a vida toda consumindo alimentos produzidos por outros.
Mas ao lado disso é preciso assinalar que mesmo o homem mais rico, que tenha dinheiro para comprar e armazenar em casa os alimentos suficientes para toda sua a vida, mesmo esse homem não consegue viver sozinho.
E não é só porque necessita dos serviços dos outros seres humanos para a manutenção da sua casa, o preparo dos alimentos e o cuidado de sua saúde, mas porque todo ser humano tem necessidades afetivas, psicológicas e espirituais, que só podem ser atendidas com a ajuda e a participação de outros seres humanos.
Assim, portanto, a vida em sociedade é uma necessidade da natureza humana, não se podendo falar do homem como indivíduo sem lembrar que esse indivíduo não vive sozinho, mas está sempre relacionado com outros indivíduos. Pode-se resumir essa idéia dizendo que o homem é um ser social por natureza e, por isso, tudo que ele tem ou realiza é tido ou realizado em sociedade.
Outro dado importante que deve ser ressaltado é que todos os seres humanos valem exatamente a mesma coisa. Pondo-se lado a lado dois recém-nascidos, sem revelar a condição social de cada um, ninguém poderá dizer que um vale mais que o outro. Por natureza todos nascem iguais e é a sociedade que estabelece diferenças, o que significa que as diferenças de valor entre seres humanos são artificiais, não naturais. Essa igualdade essencial de todos os seres humanos foi reconhecida e proclamada há milênios e deve ser buscada na organização social, dando-se absoluta igualdade de oportunidades a todos, desde o momento do nascimento. É contra a natureza permitir que uns nasçam ricos e socialmente bem situados enquanto outros nascem miseráveis e condenados a uma vida de sacrifícios e privações e inferioridade social.
Esse reconhecimento da igualdade essencial de todos não quer dizer que não existem diferenças individuais. Embora todos tenham o mesmo valor cada um tem sua individualidade, seu modo de ser, suas preferências, suas aptidões, seu julgamento próprio a respeito dos fatos da vida. O que a experiência comprova é que pessoas criadas no mesmo ambiente, recebendo o mesmo tratamento, sendo educadas da mesma forma, ainda assim apresentam diferenças de comportamento e muitas vezes reagem de maneiras diferentes perante o mesmo acontecimento.
Há, portanto, vários pontos fundamentais que devem ser levados em conta quando se tratar da organização da sociedade. Todos os seres humanos necessitam da vida social e todos valem essencialmente a mesma coisa. Mas cada um tem as características próprias de sua individualidade e por isso a vida em sociedade, embora necessária, acarreta sempre a possibilidade de conflitos.
Na verdade, a ocorrência de conflitos deve ser reconhecida como normal numa sociedade de homens livres. Mesmo que sejam asseguradas oportunidades exatamente iguais a todos, desde o ponto de partida, ainda assim os conflitos não desaparecerão, pois eles decorrem das diferenças de individualidades.
Há pessoas que por medo, comodismo ou por qualquer outra razão têm horror ao conflito e imaginam que seja possível uma sociedade livre de conflitos. Não é raro que tais pessoas acreditem que pelo uso da força todos os membros de uma sociedade poderão ser obrigados a aceitar os mesmos valores, a cumprir passivamente as ordens dos superiores e a se comportar de modo igual em todas as circunstâncias. Mas a história da humanidade e os fatos de todos os dias e de todos os lugares demonstram que onde existirem pessoas vivas existirão conflitos.
Em conclusão, o ser humano não é apenas um animal que vive, é também um animal que convive, ou seja, o ser humano sente a necessidade de viver mas ao mesmo tempo também a necessidade de viver junto com outros seres humanos. E como essa convivência cria sempre a possibilidade de conflitos é preciso encontrar uma forma de organização social que torne menos graves os conflitos e que solucione as divergências, de modo que fique assegurado o respeito à individualidade de cada um.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que todos os seres humanos são essencialmente iguais por natureza. Em consequência, não será justa uma sociedade em que apenas uma parte possa decidir sobre a organização social e tenha respeitada sua individualidade.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. 5ª ed. SP: Abril Cultural - Brasiliense, 1984. (p.12-15)
O homem é um animal que não vive sozinho, pois todo ser humano, desde que nasce até o momento em que morre, precisa da companhia de outros seres humanos. Foi observando isso que o filósofo grego Aristóteles escreveu que o homem é um animal político, pois é a própria natureza humana que exige a vida em sociedade.
É importante lembrar que não é só para atender as suas necessidades materiais que o ser humano precisa da companhia de seus semelhantes. Na realidade, o homem é o único animal que durante vários anos depois do nascimento não consegue obter sozinho seus alimentos. E no mundo moderno isso está cada vez mais difícil, mesmo para os adultos, uma vez que a sociedade humana se organizou de tal modo que a grande maioria passa a vida toda consumindo alimentos produzidos por outros.
Mas ao lado disso é preciso assinalar que mesmo o homem mais rico, que tenha dinheiro para comprar e armazenar em casa os alimentos suficientes para toda sua a vida, mesmo esse homem não consegue viver sozinho.
E não é só porque necessita dos serviços dos outros seres humanos para a manutenção da sua casa, o preparo dos alimentos e o cuidado de sua saúde, mas porque todo ser humano tem necessidades afetivas, psicológicas e espirituais, que só podem ser atendidas com a ajuda e a participação de outros seres humanos.
Assim, portanto, a vida em sociedade é uma necessidade da natureza humana, não se podendo falar do homem como indivíduo sem lembrar que esse indivíduo não vive sozinho, mas está sempre relacionado com outros indivíduos. Pode-se resumir essa idéia dizendo que o homem é um ser social por natureza e, por isso, tudo que ele tem ou realiza é tido ou realizado em sociedade.
Outro dado importante que deve ser ressaltado é que todos os seres humanos valem exatamente a mesma coisa. Pondo-se lado a lado dois recém-nascidos, sem revelar a condição social de cada um, ninguém poderá dizer que um vale mais que o outro. Por natureza todos nascem iguais e é a sociedade que estabelece diferenças, o que significa que as diferenças de valor entre seres humanos são artificiais, não naturais. Essa igualdade essencial de todos os seres humanos foi reconhecida e proclamada há milênios e deve ser buscada na organização social, dando-se absoluta igualdade de oportunidades a todos, desde o momento do nascimento. É contra a natureza permitir que uns nasçam ricos e socialmente bem situados enquanto outros nascem miseráveis e condenados a uma vida de sacrifícios e privações e inferioridade social.
Esse reconhecimento da igualdade essencial de todos não quer dizer que não existem diferenças individuais. Embora todos tenham o mesmo valor cada um tem sua individualidade, seu modo de ser, suas preferências, suas aptidões, seu julgamento próprio a respeito dos fatos da vida. O que a experiência comprova é que pessoas criadas no mesmo ambiente, recebendo o mesmo tratamento, sendo educadas da mesma forma, ainda assim apresentam diferenças de comportamento e muitas vezes reagem de maneiras diferentes perante o mesmo acontecimento.
Há, portanto, vários pontos fundamentais que devem ser levados em conta quando se tratar da organização da sociedade. Todos os seres humanos necessitam da vida social e todos valem essencialmente a mesma coisa. Mas cada um tem as características próprias de sua individualidade e por isso a vida em sociedade, embora necessária, acarreta sempre a possibilidade de conflitos.
Na verdade, a ocorrência de conflitos deve ser reconhecida como normal numa sociedade de homens livres. Mesmo que sejam asseguradas oportunidades exatamente iguais a todos, desde o ponto de partida, ainda assim os conflitos não desaparecerão, pois eles decorrem das diferenças de individualidades.
Há pessoas que por medo, comodismo ou por qualquer outra razão têm horror ao conflito e imaginam que seja possível uma sociedade livre de conflitos. Não é raro que tais pessoas acreditem que pelo uso da força todos os membros de uma sociedade poderão ser obrigados a aceitar os mesmos valores, a cumprir passivamente as ordens dos superiores e a se comportar de modo igual em todas as circunstâncias. Mas a história da humanidade e os fatos de todos os dias e de todos os lugares demonstram que onde existirem pessoas vivas existirão conflitos.
Em conclusão, o ser humano não é apenas um animal que vive, é também um animal que convive, ou seja, o ser humano sente a necessidade de viver mas ao mesmo tempo também a necessidade de viver junto com outros seres humanos. E como essa convivência cria sempre a possibilidade de conflitos é preciso encontrar uma forma de organização social que torne menos graves os conflitos e que solucione as divergências, de modo que fique assegurado o respeito à individualidade de cada um.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que todos os seres humanos são essencialmente iguais por natureza. Em consequência, não será justa uma sociedade em que apenas uma parte possa decidir sobre a organização social e tenha respeitada sua individualidade.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Alienação
O conceito de alienação - Leôncio Basbaun
Fonte:
Fragmento retirado do livro Alienação e Humanismo, de Leôncio Basbaum, Símbolo, São Paulo, 1977, pp. 17, 24-26. 1ª ed, Fulgor, São Paulo, 1967.
A alienação é, antes de tudo, uma forma de relação entre os homens e determinados objetos ou coisas que lhes são exteriores. Essa forma de relação não é natural. Ela surge em um determinado momento, no processo do desenvolvimento histórico das sociedades humanas. Embora esse desenvolvimento seja criação e exteriorização dele próprio, o homem é profundamente afetado pelo processo: aliena-se.
O termo alienação, originariamente – e ainda hoje – era um termo da Psiquiatria que designava uma forma de perturbação mental, como a esquizofrenia – uma perda de consciência ou de identidade pessoal... Do ponto de vista econômico-social, é a perda da consciência de si, em virtude de uma situação concreta. O homem perde sua consciência pessoal, sua identidade e personalidade, o0 que vale dizer, sua vontade é esmagada pela consciência de outro, ou pela consciência social – a consciência do grupo. É uma forma de para-consciência, ou seja, uma consciência particular incompleta, pela qual o homem perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão. É ainda sua integração absoluta no grupo: ele massifica, passa a pertencer à massa e não a si mesmo.
Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se tornar objeto de outro. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua vontade é assim a vontade do outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem, criatura consciente e capaz de tomar decisões, para se tornar coisa, objeto.
Com o advento da máquina, o trabalhotornou-se duplamente alienante: à maquina e ao dono da máquina. No período em que vigorava ainda i regime de trocas, o homem, para suprir suas necessidades elementares, devia produzir não apenas aquilo de que necessitava, mas também as necessidades do outro, para qual ele era por sua vez o outro. Era ao mesmo tempo sujeito e objeto. Poderíamos dizer que se tratava de uma alienação parcial.
A introdução da máquina no sistema de produção subverteu totalmente esta situação. A máquina tem esta particularidade: substitui com eficiência o esforço físico humano, mas não dispensa o homem: é sempre necessário para movimentá-la, fazê-la andar corretamente e detê-la no momento preciso.
O homem se torna parte dela, como um parafuso ou uma engrenagem. Não é o homem que produz, é a máquina. O homem limita-se a fazê-la funcionar. O aperfeiçoamento das máquinas, à medida que reduz o esforço físico do homem, mais reduz sua participação e, em consequência, mais reduz sua intervenção consciente no trabalho. A máquina moderna dispensa a inteligência e a consciência humana, e o anula como homem. Este se torna uma peça de engrenagem cada vez mais insignificante
Nesse sistema mecanizado de produção, o homem não mais produz o que quer. Limita-se a fazer a máquina funcionar. Ignora o destino do seu produto, que não lhe pertence e, quase sempre, nem sabe mesmo para que serve. Recebe apenas um salário em troca da sua força de trabalho, o qual lhe permite recuperar as energias gastas, recompor seu organismo, para que amanhã possa novamente vende-las ao dono da máquina. Ele se coisifica, anula-se nesse processo: é uma máquina, ou um apêndice da máquina, uma estranha máquina cujo óleo combustível é constituído de proteínas. Não é mais um homem com capacidade de pensar, agir, tomar decisões. É apenas uma peça de engrenagem que, quando gasta pelo uso, pode ser substituída.
Para o dono da máquina, ele não passa disso mesmo: uma peça da máquina que deve ser lubrificada diariamente. Não, é claro, com os mesmos cuidados, pois uma máquina custa dinheiro enquanto o homem nada custa: se adoece ou morre,é facilmente substituído pelo exército industrial de reserva, a percentagem fixa de desempregados em cada nação capitalista que impede a luta dos salários.
Assim, o homem, assalariado pelas circunstâncias, não mais se pertence. Como parte da máquina, pertence ao patrão. Sua atividade tornou-se inconsciente e irracional e tanto mais quanto mais se aperfeiçoa a máquina: tornou-se um objeto que nem sequer necessita pensar.
E isso vale não apenas para a fábrica mas para toda atividade humana nesse processo de mecanização crescente que é o sistema capitalista de produção: o datilógrafo diante de sua máquina de escrever, o contador diante de sua máquina de calcular. Num caso, como noutro, o produto não é determinado pelo homem que trabalha mas pelo dono da máquina.
O ‘amor ao trabalho’ transforma-se numa expressão hipócrita cínica, pois nada significa e não tem outro objetivo senão condicionar o homem, desumanizando-o, tirando-lhe a capacidade de optar em sua vida. Como pode amar o trabalho uma pessoa que passa 8 ou 10 horas por dia apertando o mesmo pedal ou mesmo o botão, ou escrevendo ‘prezado Sr.’ Mil vezes por dia? Nessas condições o trabalho torna-se realmente maldição, e essa maldição, esse trabalho maldito, é obra do capital, da propriedade privada.
Fonte:
Fragmento retirado do livro Alienação e Humanismo, de Leôncio Basbaum, Símbolo, São Paulo, 1977, pp. 17, 24-26. 1ª ed, Fulgor, São Paulo, 1967.
A alienação é, antes de tudo, uma forma de relação entre os homens e determinados objetos ou coisas que lhes são exteriores. Essa forma de relação não é natural. Ela surge em um determinado momento, no processo do desenvolvimento histórico das sociedades humanas. Embora esse desenvolvimento seja criação e exteriorização dele próprio, o homem é profundamente afetado pelo processo: aliena-se.
O termo alienação, originariamente – e ainda hoje – era um termo da Psiquiatria que designava uma forma de perturbação mental, como a esquizofrenia – uma perda de consciência ou de identidade pessoal... Do ponto de vista econômico-social, é a perda da consciência de si, em virtude de uma situação concreta. O homem perde sua consciência pessoal, sua identidade e personalidade, o0 que vale dizer, sua vontade é esmagada pela consciência de outro, ou pela consciência social – a consciência do grupo. É uma forma de para-consciência, ou seja, uma consciência particular incompleta, pela qual o homem perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão. É ainda sua integração absoluta no grupo: ele massifica, passa a pertencer à massa e não a si mesmo.
Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se tornar objeto de outro. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua vontade é assim a vontade do outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem, criatura consciente e capaz de tomar decisões, para se tornar coisa, objeto.
Com o advento da máquina, o trabalhotornou-se duplamente alienante: à maquina e ao dono da máquina. No período em que vigorava ainda i regime de trocas, o homem, para suprir suas necessidades elementares, devia produzir não apenas aquilo de que necessitava, mas também as necessidades do outro, para qual ele era por sua vez o outro. Era ao mesmo tempo sujeito e objeto. Poderíamos dizer que se tratava de uma alienação parcial.
A introdução da máquina no sistema de produção subverteu totalmente esta situação. A máquina tem esta particularidade: substitui com eficiência o esforço físico humano, mas não dispensa o homem: é sempre necessário para movimentá-la, fazê-la andar corretamente e detê-la no momento preciso.
O homem se torna parte dela, como um parafuso ou uma engrenagem. Não é o homem que produz, é a máquina. O homem limita-se a fazê-la funcionar. O aperfeiçoamento das máquinas, à medida que reduz o esforço físico do homem, mais reduz sua participação e, em consequência, mais reduz sua intervenção consciente no trabalho. A máquina moderna dispensa a inteligência e a consciência humana, e o anula como homem. Este se torna uma peça de engrenagem cada vez mais insignificante
Nesse sistema mecanizado de produção, o homem não mais produz o que quer. Limita-se a fazer a máquina funcionar. Ignora o destino do seu produto, que não lhe pertence e, quase sempre, nem sabe mesmo para que serve. Recebe apenas um salário em troca da sua força de trabalho, o qual lhe permite recuperar as energias gastas, recompor seu organismo, para que amanhã possa novamente vende-las ao dono da máquina. Ele se coisifica, anula-se nesse processo: é uma máquina, ou um apêndice da máquina, uma estranha máquina cujo óleo combustível é constituído de proteínas. Não é mais um homem com capacidade de pensar, agir, tomar decisões. É apenas uma peça de engrenagem que, quando gasta pelo uso, pode ser substituída.
Para o dono da máquina, ele não passa disso mesmo: uma peça da máquina que deve ser lubrificada diariamente. Não, é claro, com os mesmos cuidados, pois uma máquina custa dinheiro enquanto o homem nada custa: se adoece ou morre,é facilmente substituído pelo exército industrial de reserva, a percentagem fixa de desempregados em cada nação capitalista que impede a luta dos salários.
Assim, o homem, assalariado pelas circunstâncias, não mais se pertence. Como parte da máquina, pertence ao patrão. Sua atividade tornou-se inconsciente e irracional e tanto mais quanto mais se aperfeiçoa a máquina: tornou-se um objeto que nem sequer necessita pensar.
E isso vale não apenas para a fábrica mas para toda atividade humana nesse processo de mecanização crescente que é o sistema capitalista de produção: o datilógrafo diante de sua máquina de escrever, o contador diante de sua máquina de calcular. Num caso, como noutro, o produto não é determinado pelo homem que trabalha mas pelo dono da máquina.
O ‘amor ao trabalho’ transforma-se numa expressão hipócrita cínica, pois nada significa e não tem outro objetivo senão condicionar o homem, desumanizando-o, tirando-lhe a capacidade de optar em sua vida. Como pode amar o trabalho uma pessoa que passa 8 ou 10 horas por dia apertando o mesmo pedal ou mesmo o botão, ou escrevendo ‘prezado Sr.’ Mil vezes por dia? Nessas condições o trabalho torna-se realmente maldição, e essa maldição, esse trabalho maldito, é obra do capital, da propriedade privada.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
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